“O RPG dá a chance de qualquer um poder ser um pouco um contador de histórias.” – Renan Rabay

Nos últimos tempos o número de narradores de RPG que eu conheço aumentou drasticamente, e assim, minhas discussões sobre o jogo também. Entre muitas conversas que tive com esses narradores e narradoras, uma pergunta se repetiu: por quê você se meteu a narrar? A maioria das respostas batia com minhas próprias razões, e isso confirmou minha suspeita de que os mestres surgem da necessidade, mais do que da vontade: nós nos metemos a narrar porque ninguém mais o fez.

Eu amo mestrar RPG e, apesar de não ser tarefa fácil, acho que as recompensas justificam os pesares. Pensando nisso, e querendo dar a vocês os motivos que não me deram para mestrar, seis narradores e narradoras foram consultados para adicionar a este artigo o conteúdo que talvez me faltasse. Eles responderam à pergunta: por que mestrar RPG? O que a experiência de mestrar adicionou pra você?

Espero que saiam daqui animados para criar conflitos e mediar aventuras.

Aprender sobre o jogo e narração

Vamos começar deixando claro que a paixão pelos diferentes sistemas e por cenários e histórias que sirvam de inspiração não é exclusiva de quem narra, mas sem dúvida tem um gostinho a mais para mestres. Só quem narra sabe como é ler um livro pensando em como adaptar aquela cena incrível de suspense para sua mesa, fascinado só de imaginar a reação dos jogadores. O mesmo vale para as mecânicas novas e sistemas diferentes que descobrimos, pensando sempre em maneiras de tornar a mesa mais divertida e a história mais interessante.

A narração não é exclusiva do mestre, mas é seu papel adicionar conflitos à trama. Normalmente a preparação é vista com pesar, afinal é uma responsabilidade que os jogadores não têm, e exige tempo e dedicação; mas para quem gosta do jogo e consome qualquer tipo de história, criar os conflitos e adaptar as inspirações é delicioso. O que você lê e assiste ganha um novo significado quando você começa a narrar RPG, e eu já me peguei mais de uma vez parando um livro em determinada cena para fazer anotações que usaria nas minha mesa.

“Mestrar RPG me ajudou a ter uma maior noção de estrutura por trás de histórias.” – Bruno Müller

Saindo um pouco das inspirações, se você acompanha os artigos do Bruno, já deve ter percebido a paixão dele por literatura. Ele afirma que mestrar RPG teve uma parte importante no seu entendimento sobre narrativas, e como são compostas. Que maneira melhor de aprender a contar histórias, do que contando? Jogar já tem um pé (bem grande) na narrativa, mas mestrar exige o conhecimento da trama que está por trás, de onde saem os desafios e os mistérios.

Se você, assim como eu, é fascinado por tramas complexas que se moldam de acordo com as atitudes dos personagens, narrar vai te dar uma liberdade muito maior para compor essas tramas enquanto você cria os conflitos e preenche os cenários.

Novas experiências e novos afazeres

Jogar RPG sem dúvidas é uma experiência incrível, e cheia de possibilidades. É encantador pensar na quantidade de mundos nos quais você pode viver, nos mistérios que pode decifrar e nos vilões (ou heróis) que pode derrotar, mas tudo isso ainda está em um lado do jogo: o do jogador.

Como mestre, essas possibilidades ganham uma nova face. Sua tarefa não é vencer desafios, é desafiar. Seu papel na narração é outro, e isso inclui novas experiências dentro do jogo e tarefas bem diferentes. E se você acha que a experiência do mestre não inclui aquele gostinho de surpresas e descobertas que os jogadores têm, está muito enganado: a narrativa emergente é um jeito maravilhoso de guiar um jogo divertido (e inusitado) tanto para jogadores quanto para narradores. O Leo já escreveu um artigo sobre os diferentes tipos de narrativa aqui no site.

Mestrar, pra mim, envolve organização, dedicação e um conhecimento mínimo das regras.” – Leila Silva

Esse novo lado também inclui novas responsabilidades. Um mestre deve ser minimamente organizado e preparado, mas quem disse que isso é um problema? Aprendi muito mais do que planejava sobre organização quando comecei a mestrar, e pelos relatos dos outros narradores, não estou sozinho. As diferentes maneiras de conduzir um jogo incluem tarefas e responsabilidades únicas, mas garanto que todas elas vão te ensinar muitas coisas.

“Além do jogo existe a interação entre e com os jogadores, a qual é extremamente valiosa.” – Lívia Leite

Fora do jogo, o narrador também vai enfrentar alguns conflitos inevitáveis, e outros que nem deveriam ser sua responsabilidade. Jogadores podem ser complicados e desafiar o mestre em suas decisões, ou tomar atitudes duvidosas dentro do jogo, e é seu dever saber dizer “não” quando é preciso. Gosto de dizer que os mestres não jogam contra os jogadores, mas os jogadores jogam contra os mestres (nem sempre).

Vale notar que algumas responsabilidades recaem sobre o mestre equivocadamente. Problemas do grupo fora do jogo nem sempre são culpa do narrador, apesar da maioria dos jogadores colocar essa responsabilidade nas costas dele e cobrar soluções. Se você se sentir confortável para assumir essa posição de mediador fora do jogo, saiba que isso também vai te ensinar muito sobre relações interpessoais.

A maior tarefa é ser pequeno

“Mestrar RPG é aprender a se tornar o menor possível, para que seus jogadores se tornem grandiosos.” – Pedro Coimbra

Essa é provavelmente a lição mais importante que um mestre deve aprender, e mais de um narrador me falou sobre isso. Você não está narrando o jogo para ser protagonista, você está narrando para que os jogadores sejam.    

Nós todos jogamos RPG para viver histórias fantásticas e surpreendentes, e o narrador tem um papel importante nesse processo. Seu objetivo é estimular a diversão na mesa e entreter os jogadores, em uma trama que eles estão criando em conjunto. Cada jogador é de um jeito, com suas preferências por diferentes tipos de conflito e suas resoluções, e a sua parte nisso, como mestre, é a de conduzir uma aventura que divirta a todos.

Neste artigo eu falo diversas vezes sobre a possibilidade de criar conflitos, narrar cenas, preencher mundos e causar sensações; mas lembre-se de que a história narrada não é só sua. O poder de mestre ao estruturar a história e mediar as regras não deve servir para alimentar seu ego, mas sim para garantir a diversão da mesa.

O RPG é uma história compartilhada, e se você quer contar sua própria história, sem interferências, te aconselho a usar o que aprendeu mestrando para escrever um bom livro.

“Narrar RPG é construir a história junto com o grupo, e ver como as pessoas afetam e são afetadas por essa história.” – Leo Alvarez

Além de ser a lição mais importante, essa também é a mais gratificante. Você já teve alguma sessão de RPG incrível onde o desenvolvimento da história te deixou intrigado e completamente engajado em um mundo onde você nem vive? Agradeça ao seu mestre.

RPG é um jogo de narrativa compartilhada, mas sem dúvida a dedicação e preparação de um bom mestre é essencial para que os momentos mais incríveis se desenrolem. O primeiro passo para dar aos seus jogadores um bom jogo e uma ótima história é se tornar mestre.

Narradores e narradoras que ajudaram no conteúdo deste artigo: