Goddess Save the Queen é um jogo narrativo brasileiro, criado por Julio Matos e Carol Neves e publicado atualmente pela Secular Games. Com sistema e cenário próprios, e baseado nos turbulentos anos 1920, o jogo entrelaça engenhosamente as mecânicas com a narrativa. O resultado se distancia do clássico Dungeons & Dragons, mas lembra o sistema de 7º Mar, para aqueles que estão familiarizados.

As jogadoras interpretam agentes secretas de uma organização britânica que leva o nome do jogo. A narração tem um gostinho a mais pelas referências históricas, e também aborda temas pouco reproduzidos, como a independência das colônias britânicas, de onde vêm as protagonistas.

O Cenário

Os anos 1920, da instabilidade entre os períodos das guerras mundiais, foi terreno para a criação de agências de inteligência e espionagem pelo mundo, e é aí que surge a Goddess Save the Queen: formada exclusivamente por mulheres, a agência visa localizar e neutralizar artefatos antigos e poderosos. Se eles realmente têm algum poder é a sua história que vai dizer. 

O livro deixa claro que utilizou eventos históricos como inspiração, mas não tenta ser completamente fiel a eles, até porque a Goddess Save the Queen nunca existiu (ou existiu?). O cenário inclui cidades perigosas e seus lugares marcantes, criaturas fantásticas que podem aparecer nas aventuras, personalidades históricas importantes e civilizações perdidas, como Atlântida. Existe mais de um capítulo dedicado apenas à ambientação, mas se você quiser uma forcinha ainda dá pra pedir aquela ajuda para o seu professor de história. 

Para entrar no clima ainda existe um capítulo de referências com filmes, jogos e livros. Tem bastante coisa ambientada nessa época pra gente usar, e as aventuras ficam bem interessantes quando trazemos a narrativa para perto de lugares e eventos históricos. Antes de jogar, vale dar aquela pesquisada no Google pra saber de pessoas importantes que estavam vivas, monumentos que estavam sendo construídos e eventos que estavam acontecendo. Você sabia, por exemplo, que os países que perderam a Primeira Guerra Mundial foram proibidos de participar das olimpíadas de 1920? Nem eu. Descobri jogando Goddess. 

O Sistema

Não entrarei em detalhes da mecânica, mas vou explicar por cima como funciona, pra vocês sentirem a diferença entre os clássicos sistemas d20 e este. Se existe uma situação de perigo, as jogadoras montam suas “pilhas de dados”. O número de dados vai depender do quão bem a especialidade e a nação da sua protagonista se encaixam na situação. Numa perseguição em alta velocidade, por exemplo, uma protagonista piloto provavelmente se sairia melhor do que uma estudiosa, e por isso terá mais dados. 

Outra maneira de ganhar dados para sua pilha é escolher uma “postura” correspondente à sua interpretação. Elas são escolhidas no começo de uma cena, e são três: Ser implacável, Ser heroína ou Estar segura. Cada postura possui mais três situações onde você pode pegar mais dados. Se você escolheu Estar segura, por exemplo, e estiver agindo em um lugar familiar, você ganha 1 dado para a pilha.

No final, cada protagonista possui nove pequenas frases que resumem as situações onde elas têm dados extras. Cinco são da especialidade, uma da nação, e três da postura escolhida na hora. Os Destinos da heroína podem adicionar mais dados, se cumpridos, mas essa parte vai ficar ali embaixo, na Criação das protagonistas. 

Se sua protagonista está numa cena onde não consegue nenhum dado extra, não se preocupe! Você ainda tem um “dado base” que pode ser usado toda vez. 

Depois que cada protagonista rolar seus dados, os valores vão funcionar como recursos para você meter o bedelho na cena e narrar as coisas a seu favor. Dados com resultado 1 são recursos para a narradora dificultar sua vida; com resultados 2, 3 e 4, o controle da narrativa fica dividido entre a jogadora e a narradora; 5 e 6 dão o controle da narrativa para a jogadora. E assim, a cena vai se desenvolvendo com as jogadoras gastando seus recursos e contando o desenrolar da situação. 

Criação das protagonistas

Nacionalidade e Especialidade

Na hora de criar uma personagem, duas escolhas principais afetarão a mecânica do jogo: nacionalidade e especialidade. 

A nacionalidade parte das colônias britânicas e do próprio império. Elas são sete: Grã Bretanha, Canadá, Nigéria, Egito, Austrália, Índia e Hong Kong. Cada uma possui quatro situações onde a protagonista pode pegar mais um dado, mas a jogadora escolhe apenas uma delas para sua personagem. 

Já a especialidade funciona como uma espécie de “classe”. Existem cinco: Engenheira, Estudiosa, Infiltradora, Militar e Piloto. Cada uma possui mais cinco situações onde sua protagonista pode adicionar um dado à pilha de dados, e aqui a jogadora nem precisa escolher, todas as cinco são usadas. Dá um olhada nessa ficha de uma Estudiosa:

Karma

Além das escolhas que afetarão as rolagens da sua protagonista, também existem algumas que auxiliarão na interpretação e narrativa. 

Cada protagonista escolhe três Karmas: um objetivo, um compromisso e uma crença, de listas que estão no livro. Isso tudo vai fazer parte da história da sua personagem antes de se tornar uma agente secreta, e a narradora pode trazer conflitos que envolvam a vida pessoal das protagonistas na história. 

Uma agente pode ter como compromisso uma dívida, por exemplo, com um grupo de agiotas do seu país de origem. Num momento crítico da narrativa, onde as personagens estão disfarçadas em um lugar lotado, ela tromba com um homem alto que não parece ser dali, é o agiota!

As possibilidades são enormes, e o jogo utiliza os recursos da narradora (lembra daquele 1 que você tirou no dado?) para introduzir essas enrascadas na história.

Destinos da heroína e a busca pela independência

Seus Karmas, sua nacionalidade e sua especialidade, além de tudo o que já foi citado, também lhe dão uma lista de Destinos. Eles são pequenos objetivos que você pode cumprir durante a sessão, e têm relação com sua personagem. Quando você cumpre um destino você ganha um dado a mais na sua pilha de dados, até o final da sessão. 

O jogo também busca causar conflitos internos nas agentes, que ficam divididas entre sua lealdade com a agência e a lealdade com seu país. No final de cada sessão, a narradora é incentivada a fazer algumas perguntas às jogadoras, checando se agiram em prol da liberdade de seu país; se for o caso, elas são recompensadas com um ponto de independência. Acumular 10 pontos significa conquistar a independência do país de origem, e deixar a Goddess.

Ímpeto

Essa é a mecânica correspondente a pontos de vida. No jogo, quando as protagonistas não conseguem resolver a cena com os recursos que elas possuem (os valores rolados no início da cena), elas recebem dano ao seu Ímpeto. Na narrativa, isso significa que não necessariamente o dano é físico, mas que está afetando de alguma forma a força de vontade da sua protagonista. Dano demais ao seu Ímpeto pode diminuir o número de dados da sua pilha, e eventualmente tirar você da Goddess Save the Queen. Isso acontece quando seu ímpeto é completamente comprometido; narrativamente sua protagonista não tem mais vontade de continuar sua missão, e a abandona. 

Assim, existem duas maneiras de você “perder” uma personagem: ou você conquista a independência do seu país, e sai feliz pra curtir a vida, ou fica tão sem ímpeto que desiste e vai cuidar de outras coisas.

O Livro

Impresso em A5, com capa mole e 187 páginas, o livro é uma belezinha. As ilustrações internas e da capa têm um estilo próprio bem interessante e condizem, assim como a diagramação, com o cenário do jogo. Apesar da capa ser mole, ela possui orelhas que ajudam na preservação do livro que, mesmo me acompanhando pra cima e pra baixo dentro da mochila, ainda parece novo. Ele pode ser encontrados no site da Secular Games, nesse link, por pouco mais de 45 reais. O site também conta com o PDF, e alguns suplementos para o sistema.

Capa do livro

O livro é bem organizado e possui capítulos dedicados à Narradora, ao cenário e ao sistema, tudo bem dividido e explicado. Além disso, no final existe um “Guia rápido para escolhas das protagonistas”, que possui informações úteis e resumidas para consulta durante a criação das personagens e o decorrer das sessões. 

Também temos os arquivos das protagonistas (fichas das personagens), o Briefing da missão, e mais uma tabela para anotações da Narradora sobre as personagens, tudo para ser escaneado e impresso. Infelizmente, o espaço entre as páginas não ajuda, e o resultado é bem melhor se você pegar esses documentos no site da Secular.

Assim, minha única reclamação se deve realmente ao espaço entre as páginas, que por vezes comeu a informação de ilustrações e tabelas. Também já ouvi que as cores do livro e a diagramação dificultam a vida de quem tem problemas de visão, e nesse caso eu recomendaria comprar a versão online do livro.

No geral, o jogo é bom e traz características bem únicas para uma ambientação já conhecida. É uma boa aquisição pra quem está querendo sair um pouco do capa e espada, ou dos jogos de sempre. Vale notar que, apesar de ser um RPG, Goddess Save the Queen se anuncia como um Jogo de Aventura Narrativa, o que já mostra que tem ideias bem diversas e mecânicas bem diferentes do que estamos acostumados; mas uma vez que você pega o jeito, acaba sendo mais prático e narrativo do que a maioria dos RPGs. 

E você, já jogou Goddess? Gostou? Deixe sua opinião aí pra gente saber! 

Nota de atualização – 13/07/2020

O publicação original do artigo continha informações desatualizadas sobre a editora do livro, que foram corrigidas nesta data.