Na minha pesquisa de mestrado, eu investigo se e como as ilustrações internas dos livros de D&D podem ajudar a criar vínculos emocionais entre o leitor e o livro, entre o produto e o consumidor. Isso me levou a investigar um tanto sobre as origens das representações de temas fantásticos na História e na Arte, e na forma como essas representações são transportadas das telas a óleo para as páginas dos livros de contos infantis publicados na Europa, seguindo para os Penny Dreadfuls (guardem esse nome, vou falar mais sobre isso em textos futuros), romances de mistério publicados continuamente em formato de folhetins ou pequenas revistas da Inglaterra durante o século XIX, e chegando até as revistas pulp, que fizeram imenso sucesso nos Estados Unidos na primeira metade do século XX.

É sobre essas revistas que eu vou comentar nesse texto. Mais especificamente, a Weird Tales Magazine, que não foi a primeira publicação do gênero, mas com certeza uma das mais importantes e influentes. A Weird Tales Magazine tem a sua primeira edição publicada em março de 1923, e logo se consolida como veículo de publicação de contos e novelas de horror, mistério e fantasia. As ilustrações de capa já mostravam o tom da revista, geralmente mostrando cenas insólitas, criaturas fantásticas, investigadores em locais escuros, polêmicas cenas de nudez e até bruxaria. Em seu interior, trazia histórias curtas , geralmente de autores então desconhecidos, que viam na revista uma possibilidade de publicar histórias que, de outra forma, seriam recusadas pelo mercado editorial da época.

Capa da primeira edição da revista, publicada em março de 1923.

A Weird Tales foi o principal meio para que os leitores da época, ávidos por histórias que trouxessem algum escapismo, conhecessem as histórias do poderoso bárbaro Conan, escritas por Robert E. Howard, ou então os indescritíveis horrores criados por H. P. Lovecraft (que usava muuuitos adjetivos na tentativa de não descrever suas criações). Outros autores que acabaram influenciando bastante a criação do RPG como o conhecemos também foram publicados pela revista, como é o caso do famoso Ray Bradbury, e também de Fritz Leiber, criador da série de histórias de Lankhmar, protagonizadas pelos icônicos Fafhrd e Gray Mouser. Com o tempo, a Weird Tales viria a se tornar o que hoje é considerada por estudiosos da literatura como a mais importante revista a se especializar em ficção sobrenatural e do oculto.

Além das histórias que viriam a se tornar aclamadas algumas décadas depois e influenciar grande parte da produção cultural de fantasia e ficção científica, a Weird Tales também dava espaço em suas páginas para o trabalho de desenhistas e ilustradores, que compunham artes para diversas dessas histórias. Como o papel utilizado na produção das revistas era de baixíssimo custo, por ser feito de polpa de celulose (daí o termo pulp magazine), a qualidade da impressão das páginas era limitada pela qualidade do papel, e os artistas buscaram meios de se adaptar a isso, utilizando somente tinta preta nas ilustrações, sem tons de cinza, e abusando das técnicas de hachuras e pontilhismo para dar a impressão de tonalidades, de sombra e de luz. Muitas dessas ilustrações traziam certas semelhanças com gravuras utilizadas na produção de livros do século anterior, que possuíam limitações parecidas devido ao tipo de impressão.

Ilustração do artista Virgil Finlay para o conto “The Shunned House” de H. P. Lovecraft, publicado em 1937.

Na minha pesquisa, eu tento traçar alguns paralelos entre o estilo artístico utilizado nessas revistas e nos primeiros livros de RPG. Logo que eu defender a minha dissertação, vou poder entrar em mais detalhes aqui (com a segurança de não estar falando bobagem, ainda mais depois de passar pela banca de avaliação, hehe) e dividir com vocês algumas das descobertas que fiz durante o último ano. Mas já adianto que muita coisa interessante pode ser encontrada nas mais de 270 edições que a Weird Tales teve em seu longo período de vida.

Quase nada disso foi traduzido para o português. Tirando as principais produções de Howard e Lovecraft, que recebem edições brasileiras com alguma frequência, grande parte do conteúdo publicado na revista só pode ser lido em inglês. Alguns sites se dedicam a catalogar e digitalizar o conteúdo dessas revistas e, graças a isso, podemos ler cartas de alguns dos autores para os editores da revista, contos aclamados em suas publicações originais, e ter um gostinho do que era ser leitor de fantasia e horror no começo do século passado. Se você é curioso e tem acesso ao inglês, este link traz algumas edições da revista publicadas entre 1935 e 1939. Já este aqui traz algumas histórias individuais de autores como Lovecraft, Ray Bradbury, Robert Bloch e Dorothy Quick.

Outra ilustração de Finlay, na edição de outubro de 1938.

A Weird Tales não foi a primeira e nem a única revista pulp a se tornar famosa. Outras existiram, e várias histórias publicadas nesse tipo de revista são listadas por Gary Gygax como referências para a criação do D&D, no famoso Apêndice N presente no Livro do Mestre da primeira edição de AD&D. Aliás, existe um livro com esse nome, “Appendix N”, que traz resenhas e comentários sobre todas essas histórias listadas pelo G.G. e que mostra de onde vem alguns dos elementos importantes e centrais do D&D desde sua edição original. Vale a pena dar uma olhada! A versão impressa é muito mais cara do que eu estou disposto a pagar em algo do tipo, mas eu comprei a versão digital, para Kindle, que tem um preço bem convidativo.

E você? Já tinha ouvido falar da Weird Tales? Já deu uma olhada no “Appendix N” para ir atrás das histórias que deram origem ao primeiro RPG publicado? Gosta de histórias desse gênero? Se você escreve algo do tipo, sinta-se livre para mandar pra gente, quem sabe não acabamos comentando uma produção sua aqui no site?

 


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