O Livro

Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros é um sistema de RPG brasileiro, criado por Diogo Nogueira, que segue o movimento OSR (Old School Renaissance), que procura um retorno às origens do passatempo e tenta resgatar o modo antigo de jogo, com regras simples e bastante espaço para o improviso.

Publicado em sua plataforma própria, a Old Skull Publishing, Espadas Afiadas foi lançado primeiro em inglês através da DriveThruRPG, no esquema de “pague o quanto quiser”, e depois financiado no Brasil por meio do Catarse e publicado pela editora Pensamento Coletivo.

O livro é pequeno, formato A5, com apenas 64 páginas. Ainda assim, traz em seu interior regras completas para jogar aventuras no estilo Espada & Feitiçaria (o famoso Sword & Sorcery) que foi consagrado por histórias pulp como Conan, O Bárbaro, de Robert E. Howard, e a série Elric de Melniboné, de Michael Moorcock. Com a capa colorida e o miolo em preto e branco, o livro traz dezenas de ilustrações que ajudam o leitor a calibrar a imaginação para o estilo de histórias que o sistema privilegia. Algumas são excelentes, outras medianas, mas todas ajudam a transmitir o clima da mesa de jogo. A diagramação deixa um pouco a desejar, com as tabelas muito próximas do texto e as margens das páginas muito estreitas. Entendo que deve ter sido uma escolha para manter o conteúdo em 64 páginas e viabilizar a produção, mas alguns detalhes chamam a atenção dos designers mais chatos (eu, presente!), mas nada que prejudique a leitura ou a experiência. A tipografia escolhida para os termos em destaque, vazadas com contornos pretos, me incomoda um pouco mas não prejudica muito a leitura.

Agora, quanto ao sistema, que surpresa boa! Decidi adquirir quando comecei, recentemente, a me interessar pelo estilo OSR, mas ainda não tinha nenhuma experiência de jogo com um sistema desses. Até então, o sistema relacionado ao estilo que eu mais havia jogado era AD&D Segunda Edição (que habita em um apartamento confortável e bem decorado, dentro do meu coração) e que no caso nem é OSR, só é antigo mesmo. Voltando… adquiri o livro recentemente – na verdade, ganhei ele de presente do Caio – e acabei enrolando pra começar a narrar. Eis que nas últimas semanas decidi utilizá-lo na minha atividade de RPG no Sesc aqui de Bauru, e narrei algumas aventuras do AD&D adaptadas para o sistema, com as crianças e adolescentes que formam o grupo, e todos tivemos ótimos momentos na mesa. Obviamente, nessa primeira experiência, não pude conferir à narrativa todas as características de uma história de Espada e Feitiçaria, mas foi legal ver a galera percebendo as diferenças de estilo entre a quinta edição de D&D, que jogamos bastante durante a atividade, e a leveza e simplicidade de Espadas Afiadas.

O Sistema

Criação de personagens

Um personagem de Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros é construído com rolagens de dados, como muitos sistemas OSR, e tem seus atributos preenchidos na ordem sorteada. Isso torna a construção bastante aleatória, por vezes frustrante e muitas vezes surpreendente. Os atributos são Físico, Agilidade, Intelecto e Vontade. Os valores distribuídos neles acabam orientando a escolha do Arquétipo do personagem, que pode ser Guerreiro, Especialista ou Conjurador.

Cada um deles tem dois atributos primários, nos quais se baseiam todas as suas habilidades. Ah, e os personagens começam com todas as habilidades disponíveis para seu arquétipo, e elas progridem de acordo com o nível.

Os testes são feitos rolando um d20, e o resultado precisa ser igual ou inferior ao atributo relevante, depois de acrescida a Dificuldade, que varia entre um, para atividades levemente difíceis, a dez, para feitos quase impossíveis.

Definido o arquétipo, o jogador deve escolher ou criar uma vocação. O livro não traz uma lista de vocações, mas explica que elas são termos de detalham um pouco como o personagem age dentro de seu arquétipo. Um guerreiro poderia, então, possuir a vocação de soldado, bárbaro, cavaleiro, mercenário, ou qualquer outra que se encaixe na descrição que o jogador quiser dar para o seu personagem. As vocações dão bônus contextuais para certas jogadas. Um guerreiro cavaleiro poderia conseguir algum tipo de benefício durante um duelo honrado, por exemplo.

Cada jogador deve também escolher uma Complicação. Ela pode ser escolhida ou sorteada em uma tabela, ou ainda criada pelo jogador e aprovada pelo mestre. Alguns exemplos de complicações são: débito com uma guilda mercante, vício em adrenalina, um conhecimento proibido ou um dever para com uma ordem religiosa. Essa complicação pode ser utilizada pelo jogador para aumentar o Dado de Sorte em um passo, em troca de o Mestre usá-la no momento em que achar adequado, para dificultar ainda mais a vida do personagem.

O Dado de Sorte, aliás, é uma mecânica interessante. É um dado de recurso, utilizado em alguns sistemas para controlar coisas que normalmente são limitadas. Nesse caso, como o próprio nome deixa claro, ele mostra o quanto um personagem pode contar com a própria sorte. Cada arquétipo possui um Dado de Sorte inicial especificado, e o jogador pode usá-lo para tarefas que, de outra forma, não seriam possíveis. O dado é rolado e, caso o resultado seja diferente de 1 ou 2, a tarefa é bem-sucedida. Caso o resultado seja 1 ou 2, o teste falha e o dado é rebaixado em um passo. Ou seja, se o personagem tinha um d6 como Dado de Sorte, ele agora terá 1d4, diminuindo as probabilidades de contar com a sorte em momentos futuros.

O Dado de Sorte também é rolado quando um personagem é reduzido a zero pontos de vida, mas recebe auxílio de alguém. Caso a sorte esteja ao lado dele, ele recupera alguns poucos pontos de vida, perde um ponto permanentemente em algum atributo, e todas as ações realizadas por ele na próxima hora são penalizadas.

Importante lembrar que os pontos de vida também são sorteados. Não tem essa mamata de dado cheio no primeiro nível (taokei?), o que gera algumas situações interessantes durante o jogo e acaba refletindo na forma como cada jogador aborda os desafios propostos pelo Mestre. Em uma das aventuras que eu narrei, a personagem de um dos jogadores tinha apenas um ponto de vida, o que fez com que ele optasse pelo uso de um arco, e pela cautela em todas as ações. Nesse mesmo grupo, o integrante com maior número de pontos de vida era o conjurador, com cinco pontos, seguido por um guerreiro, com quatro pontos. Isso fez com que cada combate se tornasse extremamente perigoso, e a aventura memorável. Foi interessante notar como o comportamento de alguns jogadores se adaptou ao contexto, e toda a imprudência comum aos jogos de D&D se transformou no cuidado de testar cada porta e cada baú encontrado. Ah, a arqueira chegou viva e bem até o final da sessão, enquanto o conjurador… bem, não teve tanta sorte assim.

Magia

Como narrador extremamente habituado a D&D, as listas de magias estão entre as primeiras coisas que eu costumo procurar em um novo livro ou sistema de RPG de fantasia. Digo isso porque conhecer as magias e as possibilidades de acesso a elas por parte dos jogadores me auxilia a construir o clima e a ambientação de uma partida, a medida que elas me mostram a quantidade e a qualidade da fantasia presente na proposta do jogo. Quando vejo, em um livro de D&D, uma magia chamada Reviver disponível para um personagem de quinto nível, sei de que forma eles podem reagir aos desafios que eu apresentar, e que nem todas as consequências de um fracasso são muito preocupantes. Já no Espadas Afiadas, percebi que a única magia que permite algum tipo de recuperação de pontos de vida é uma de ataque, em que o conjurador rouba vida de um alvo e transfere para outro. Isso já me apresenta muito do tom e da dificuldade de jogo.

O livro traz uma lista com 49 magias (atenção, se você tem TOC, isso pode ser meio complicado), mas deixa claro que a criação de novos feitiços é encorajada, e a busca por algum deles pode ser motivação de aventuras. O mais legal, para mim, é que todas as magias estão disponíveis para escolha no momento de criação do personagem, não precisando ser “desbloqueadas” com avanço de nível, diferindo bastante do tradicional sistema vanciano ao qual estamos tão acostumados. O poder de uma magia é definido pelo jogador no momento em que seu personagem vai conjurá-la, e isso se traduz na dificuldade do teste de conjuração, e nos efeitos causados. Isso faz com que sempre seja mais seguro conjurar uma magia não muito potente, mas obter um sucesso em uma conjuração poderosa é sempre recompensador.

Ah, e as falhas durante a conjuração também criam possibilidades narrativas bem interessantes. Quando um conjurador falha, ele pode optar por perder a capacidade de lançar aquele feitiço pelo resto do dia, ou então aceitar uma consequência relacionada ao efeito da magia, criada pelo narrador, e que escala de acordo com o nível de poder desejado para a magia no ato da conjuração. As falhas críticas causam efeitos que duram mais tempo, e podem ser realmente catastróficos para um personagem (e muito divertidos para um narrador ligeiramente maldoso).

Apêndices

Como bom livro de RPG, Espadas Afiadas traz um apêndice com um conteúdo muito valioso: tabelas para criação aleatória de aventuras. Através de simples rolagens de dado, você consegue construir argumentos para meses de aventuras com seus amigos. As tabelas cobrem os vários aspectos de uma aventura padrão do estilo espada e feitiçaria: objetivos, locações, antagonistas, coadjuvantes, complicações e recompensas. Inclusive, usei esse método de criação de aventuras como parte de uma atividade onde ensinei algumas crianças a criar e narrar aventuras de RPG.

Outro apêndice traz tabelas e sugestões para criação de nomes de aventuras. Os resultados obtidos são bastante diretos, e lembram os títulos das histórias vividas pelo Conan em seus gibis publicados pela Marvel. Alguns exemplos obtidos rapidamente, enquanto eu escrevo esse texto: “O Cataclismo no Círculo das Estrelas”, “O Espelho da Cripta Dourada” ou então “A Abadia do Devorador Rastejante”. Todos esses nomes são capazes de gerar ideias de aventuras ou campanhas mais longas, dão para os jogadores um gostinho do que está por vir, e parecem títulos de contos escritos para revistas pulp.

Em um último apêndice, o autor ainda divide com seus leitores as suas fontes de inspiração para a criação do sistema, e de obras midiáticas que ajudam a um narrador menos experiente a compreender o estilo das histórias favorecidas pelo sistema.

Concluindo

Se você gosta de histórias como Conan, o Bárbaro, Uma Princesa de Marte, Elric de Melniboné, O Chamado de Cthulhu, ou então que lembrem o estilo dos primeiros jogos da franquia Diablo, Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros certamente será uma excelente aquisição! Inclusive, fiquei com vontade de adaptar as criaturas, os chefes e os mapas da Catedral de Tristram para desafiar meus jogadores em uma próxima oportunidade!

Você pode adquirir o livro físico por pouco mais de R$30,00 no site da Pensamento Coletivo, onde também está disponível a versão digital no sistema de “pague quanto quiser”. Mas vai por mim, o livro físico é muito prático, não ocupa muito espaço e é sempre legal surpreender jogadores acostumados com tomos e tomos de regras com um sistema completo em tão poucas páginas.


Todas as imagens utilizadas neste artigo são provenientes do livro Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros.