Cena da animação Avatar: A Lenda de Aang (T1EP20)

Este é o primeiro artigo de uma série que deve abranger as mais mirabolantes ideias de personagens do mestre (PdMs) e suas aplicações em combate.

O texto foi baseado em Koh, o ladrão de faces, personagem de Avatar: A Lenda de Aang. Koh é um antigo espírito que detém muitas respostas, mas também grandes perigos. Quando Aang precisa falar com ele pela primeira vez, seu antecessor o avisa sobre o perigo que o ladrão de faces representa, roubando o rosto de qualquer um que expresse emoções em sua presença. O aviso, somado à aparência da criatura, torna o encontro entre Koh e Aang de uma tensão memorável, acentuada mais ainda quando o espírito lembra do conflito que tiveram em uma vida passada do Avatar.

História

Conhecendo a inspiração, chegou a hora de criar. O que nós temos é uma criatura que pode ou não ser humanoide e que rouba os rostos de pessoas e animais. Como isso acontece? Como começou? De onde veio a criatura? Por que ela faz isso?

Como mestre, o seu dever é entrelaçar a sua nova personagem à trama que os personagens estão inseridos. Não é difícil encaixar um ladrão de rostos em uma história épica: dê um bom motivo para a criatura existir e torne a experiência mais pessoal para os personagens. Imagine a reação do grupo ao descobrir que o rosto da criança perdida no começo na aventura pertence agora a este monstro, ou a emoção de uma das personagens ao rever a face de seu pai há muito perdido. As ideia são muitas, seja criativo!

Para a mesa em que eu narro, um cenário original com as mais diversas inspirações,  a adaptação de Koh se chama Rashi. Os PdJs possuem um livro de lendas onde obtêm algumas informações do que vem a seguir, e este é o trecho que fala sobre o (também) ladrão de faces:

Rashi era o irmão mais novo do príncipe herdeiro de Shiva. O jovem sempre foi um sonhador, e apesar de seu pai desencorajar seus devaneios, dizendo que um príncipe era um príncipe e a ele este fardo cabia, sua mãe o encorajava, dizendo que Rashi poderia ser o quê ou quem quisesse.

A ideia de ser quem quisesse começou a possuir o garoto, e passava seus dias brincando de ser seu pai, o rei; ou sua mãe, a rainha; ou o irmão; o cozinheiro; o criado; o bobo da corte e até mesmo o cachorro. Rashi cresceu sendo todos, até a morte de seu pai.

Neste dia seu irmão se tornou rei, e chamou Rashi para a sala do trono pela primeira vez. Rashi era agora o único príncipe, e irmão do rei; deveria agir como tal. Seu irmão ordenou que parasse de ser os outros, e se tornasse apenas Rashi.

Sua mãe havia morrido há muito tempo e não poderia defendê-lo do irmão, mas Rashi desejou com todas as forças que tivesse a voz de sua mãe, para obrigar o irmão a deixá-lo ser quem quisesse. Rashi foi até o túmulo da falecida rainha, mas quando viu o nome da mãe na lápide ele não conseguiu se lembrar de seu rosto. Desesperado, ele começou a cavar o chão, machucando as mãos nas pedras, e quanto mais cavava menos suas mãos se pareciam suas, sujas de terra como estavam. Rashi alcançou o caixão, e quando o abriu para se lembrar do rosto de sua mãe, ele já não estava lá. O rosto de sua mãe havia sumido.

Rashi correu então até o irmão, passando por toda a cidade, e quanto mais corria menos suas pernas se pareciam suas, compridas como estavam. Os rostos tão conhecidos pelos quais ele passava não pareciam estar ali, e conforme aquelas pernas o levavam para o castelo ele mesmo não parecia estar ali.

Sua mãe entrou na sala do trono para encontrar o filho mais velho, agora rei, e dizer-lhe que o jovem Rashi poderia ser quem quisesse, e assim foi. Rashi era sua mãe, Rashi era rei, Rashi era cozinheiro, Rashi era criado, Rashi era bobo da corte e Rashi era cachorro, mais do que eles mesmos.

O ladrão de rostos continua vivo, e é todos, mas resta pouco de si mesmo. Qualquer um que se aproxima demais tem a chance de perder o próprio rosto, se expressar mais do que uma pedra expressaria.

O reino citado é um ponto importante para a história, e o tom pouco técnico da escrita faz jus a quem escreve: Nuthora, a escritora, é personagem conhecida dos jogadores. A história soa simples, mas é o bastante para causar curiosidade e dar vida ao mundo, adicionando conteúdo para o reino de Shiva, para Nuthora, e é claro, para Rashi.

Não é preciso entrar em detalhes sobre como o monstro vai se relacionar com os personagens e a trama, mas é importante lembrar que uma narrativa é como uma mentira: detalhes importam, mas em excesso podem ter um efeito trágico. Pense no papel do ladrão de faces na sua história, e dê a ele conteúdo equivalente à sua importância.

Combate

Koh é uma personagem marcante, e sua ideia pode se encaixar com perfeição em diversas histórias, contadas de diversas maneiras. A tensão de precisar manter o rosto sereno em momentos de medo e dor foi muito bem construída no animação, e este sentimento poderia ser igualmente passado em um filme ou livro. Com o RPG, porém, enfrentamos um pequeno problema: como adaptar a mecânica de Koh para passar aos jogadores a tensão que este combate proporciona?

Parando para pensar agora, eu consigo imaginar maneiras diversas de simular essa situação; como rolagens de concentração para manter a expressão serena do rosto, ou simplesmente o julgamento do mestre, quando algum jogador se distrai durante a luta e dá aquela olhadela no celular. Minha primeira ideia, porém, provavelmente ainda é a melhor adaptação para este combate.

A mecânica é simples: os jogadores serão avisados que suas expressões vão valer como a de seus personagens. Ou seja, se o jogador riu da falha crítica do amigo, ou se assustou com o gato que subiu na mesa durante o combate, o personagem esboçou expressões e leva um ataque de oportunidade. Originalmente este ataque seria mortal, mas lembre-se que cada mesa é única, e cada sistema também; não transforme este combate em uma experiência frustrante para os seus jogadores. O próprio Rashi vai tirar metade da vida dos personagens em um ataque de oportunidade e, é claro, fora essa mecânica o combate continua acontecendo normalmente.

Antes de utilizar essa ideia, tente visualizar os seus jogadores se mantendo serenos e concentrados no combate. Isso é possível na sua mesa? Se você acha que não, talvez seja melhor descartar este tipo de mecânica. Porém, vale notar que se os seus jogadores não são lá os mais atentos em combate, uma mecânica externa como essa pode ser exatamente o que eles precisam para mergulhar na situação. Cada mesa é uma mesa: conheça a sua.

Nas próximas semanas o grupo de aventureiros deve finalmente caminhar pelas ruínas de Shiva e enfrentar seu destino, ou se tornar o destino de Rashi. Se você utilizar esta mecânica para um combate na sua mesa, deixe nos comentários o resultado! Espero que seja uma experiência interessante para os jogadores e o narrador.

Nos vemos em breve!