Ilustração por linweichen (https://www.deviantart.com/linweichen/)

Como narrador de RPG, uma das maiores dificuldades que encontrei foi garantir a diversão de todos os jogadores da melhor maneira possível, e a maior quantidade de tempo possível. Isso acontece porque cada jogador tem uma preferência com relação ao que o RPG oferece; enquanto um ama combate o outro prefere a interpretação, enquanto um gosta da investigação o outro prefere quebra-cabeças, enquanto um prefere focar na história o outro prefere focar na exploração, e por aí vai.

Normalmente encontrar um equilíbrio na aventura entre essas preferências já basta para garantir uma mesa divertida, mas às vezes se faz necessária uma sessão inteira de combate, por exemplo, e neste momento o jogador de interpretação vai sofrer e se entediar. Ao longo do texto irei falar sobre como entreter esse tipo de jogador, sem tratar de um cenário ou sistema específico.

Imagine que o grupo de aventureiros encontra os ladrões que estavam procurando em meio à área mais marginalizada da cidade. Um bando de curiosos se junta em torno da confusão, a fim de se divertir um pouco vendo o sangue jorrar. O mestre pode narrar o combate descrevendo em que parte do corpo os golpes acertaram, e quanto sangue tiraram; pode dizer o quão perto a adaga do ladino passou da garganta do líder dos bandidos quando foi arremessada; ou descrever o calor que o guerreiro sentiu quando a bola de fogo arremessada pelo mago passou bem ao lado de sua cabeça.

Esse tipo de descrição deixa o combate interessante, mas ainda não implica em interação. Como a multidão reagiu quando a primeira gota de sangue caiu do chão? O que o líder gritou para seus aliados quando a morte passou a centímetros da sua garganta? O guerreiro não se assustou com a imprudência do mago em lançar um feitiço tão próximo a ele? O mundo está vivo, narrador, e nenhum bando de curiosos vai parar de gritar em meio ao combate para assistir aos dados rolando.

O desafio para quem conduz a sessão é, neste caso, o de produzir combates mais interativos, o que deve entreter tanto os jogadores de interpretação quanto os que já amam uma boa luta em um grid bem trabalhado.

Interação com os personagens

Sabe o nosso líder dos bandidos? Ele com certeza não vai deixar barato aquela adaga que o ladino arremessou em sua direção. Ele rosna, arremessa seu escudo no chão e corre em direção ao ladino, gritando “Você desonra o nosso clã!” enquanto gira a espada em uma onda de fúria. Com essa simples narração você criou uma relação entre o ladino e o líder dos bandidos, e agora qualquer interação entre eles vai significar muito mais. Para o jogador, atingir o líder trará um gostinho a mais, e ser atingido por ele vai trazer a mesma emoção que o personagem sentiria (sem a dor, claro).

Neste mesmo sentido, podemos fazer o conjurador inimigo provocar o nosso mago e desafiá-lo para um confronto mano a mano; ou um dos bandidos pode cair em prantos quando a arqueira do grupo cai, pois eles eram irmãos; ou as cores usadas pelo clérigo podem despertar a ira do elfo inimigo, cuja família foi enganada pela mesma igreja. Abuse do seu mundo nessas narrações: assim, além de deixar o combate mais interessante, você vai trazer vida aos personagens.

Mas é claro, nem todos os nossos personagens estão no combate. A multidão grita enfurecida quando a primeira gota de sangue escorre pelo braço do ladino. Percebendo isso, ele levanta a voz e chama o público: “Vocês querem sangue!?”; o bando urra assistindo ele tentar seu golpe de vingança contra o líder dos bandidos. Como mestre, ainda existe a opção de conceder uma vantagem neste ataque (por exemplo) pela interação com os espectadores. Além de tornar o mundo muito mais vivo, você está relacionando este mundo com as regras do seu jogo e recompensando seu jogador por uma ação diferente do que apenas “eu tento cortar ele com a minha adaga”.

Vale pontuar que, apesar de interessante para a narrativa, um excesso de interações desse tipo pode ter o efeito contrário do desejado. Várias pequenas interações no mesmo combate dividem a atenção do grupo e no final você vai ter um jogador entediado, esperando a conclusão da interação do outro. Isso é exatamente o que queremos evitar, uma ou duas situações desse tipo por combate devem ser o bastante.

Interação com o ambiente

Neste ponto você já deve começar a pensar nas possibilidades que personagens secundários podem trazer a um encontro, se bem utilizados. Imagine o que acontece quando envolvemos o cenário ainda mais?

Nossos aventureiros estão numa zona mal cuidada da cidade, e a poeira sobe com o arrastar de pés, enquanto os dois grupos se enfrentam diante da multidão de curiosos. O combate fica mais intenso, e a areia já está escura com o sangue respingado dos heróis. Com um golpe de sorte o líder dos bandidos derruba o ladino no chão, rindo e avançando em sua direção. A multidão alucina esperando o golpe final. O ladino, desesperado, recua rastejando enquanto procura auxílio em seu entorno. Ele o encontra onde menos esperava, embaixo de si. Segura firme um punhado de areia e arremessa em direção aos olhos do guerreiro, aproveitando sua confusão para cravar a adaga bem fundo em seu pescoço. Alguns sistemas preveem esse tipo de “truque” em suas regras, estabelecendo vantagem nas rolagens seguintes, ou consequência semelhante.

Um jogador inteligente pode utilizar o ambiente a seu favor para virar uma luta perdida, ou planejar a mais perfeita emboscada, mas apenas se o mestre fornecer as ferramentas necessárias em sua narrativa. Tenha em mente que é a sua responsabilidade descrever o ambiente, mas não se atenha tanto a objetos específicos ou elementos de narrativa que os jogadores podem utilizar a seu favor durante o combate. Afinal, qual foi a última vez que você planejou uma sessão inteira, e ela ocorreu exatamente como você imaginou? Adicione elementos coerentes com o local descrito, e surpreenda-se com a criatividade dos jogadores em utilizá-los. Se falta algum ponto específico para tornar o plano deles perfeito, uma forcinha do narrador não faz mal; apenas tome cuidado para não deixar as coisas simples demais ou adicionar elementos que não condizem com o ambiente em questão.

Travando nas regras

Eis um ponto delicado para um grande número de mestres e jogadores. Este tópico não implica apenas em uma distorção ou mudança das regras clássicas, mas pode também significar um detalhe a mais no encontro que o torna mais interessante, como um príncipe que os jogadores acabaram de resgatar, e deve ser levado em segurança para o outro lado do salão onde está o Ogro; ou uma importante ogiva nuclear que deve ser defendida a qualquer custo; ou ainda um escudo defletor que protege a Dama Interstelar dos tiros dos personagens; e por aí vai.

Pensando nisso, podemos unir um conceito relacionado à história de um vilão, por exemplo, com o seu estilo de combate. Como mestre seu dever é divertir e desafiar os jogadores, e se você precisar passar por cima de uma regrinha aqui ou outra ali para isso, não há problema, mas lembre-se sempre de tomar muito cuidado para não desequilibrar o jogo ou o cenário. Converse com a sua mesa e explique que está prezando pela diversão. Se o combate ficar incrivelmente excitante, que mal tem?

Este último tópico é apenas uma introdução para muitas ideias que vem aí. Essa pequena série envolverá conceitos para personagens que podem ser aplicados no combate, de maneira a torná-lo mais interativo com o mundo, e entre os próprios jogadores.

Nos vemos em breve!