The Black Hack, chamado geralmente de TBH é um RPG que ilustra o coração do movimento OSR (Old School Revival ou Old School Renaissance) e enquanto enumero as razões para, no mínimo, conhecer esse sistema eu vou contar sobre esse movimento e como ele se traduz aqui no Braza.

O OSR nasce no Quick Primer for Old School Gaming, um documento de poucas páginas que define até hoje o que um jogo precisa ter pra ser “do clube”. É uma leitura obrigatória, de verdade. Lá, você vai ver quatro princípios, traduzidos livremente e listados abaixo:

  • Julgamentos são mais importantes que regras;
  • Teste os jogadores, não as fichas;
  • Heroico, mas não super;
  • Não tem isso de balanceado.
O logo de The Black Hack.

Ao ler TBH, coisa que dá pra fazer depois de comer a marmita e antes de voltar do horário de almoço, você vê tudo isso. O jogo começa explicando o funcionamento dos testes, que é ridiculamente simples: role um dado de vinte lados e tire um valor menor que o do atributo relacionado ao teste.

Mas como vou saber o que estou testando? Tem uma tabelinha pra isso e é super vago, aí entra o primeiro princípio, o mestre julga o que é testado com base na lógica. E embora isso fique claro na primeira de 23 páginas da versão brasileira, o livro tem isso em cada uma das outras vinte e duas.

Em teoria, TBH é medieval épico, como o D&D do qual ele descende, mas a campanha mais longa que eu já joguei de TBH foi numa Goiânia pós-apocalíptica com tiro, porrada, bomba e juízes do STF vampiros. Em suma, com o mínimo de trabalho TBH pode ser adaptado pra qualquer estilo de jogo, em grande parte por causa das regras extremamente resumidas.

Depois de a maior parte do livro explicando como funcionam monstros e o combate (vamos voltar lá num minuto), o jogo apresenta as quatro classes clássicas: Clérigo, Guerreiro, Ladrão e Conjurador.

“Ai, mas eu quero jogar de paladino.” Beleza, jogue de guerreiro e reze durante os combates, oras. O mesmo vale pra qualquer outra classe ou conceito que você consiga extrair da sua cabeça.

Aqui está outro segredo do jogo que será reforçado a seguir na nossa viagem: há muito peso nos ombros dos jogadores. Seu personagem é um conjunto de números e no máximo, uma listinha com quatro nomes (magias). Quem o personagem é, como ele se porta, de onde vem, pra onde vai e o que come não passa na TV aberta às sextas-feiras, tem que sair da cabeça do jogador.

Ao contrário das edições recentes de outros RPGs medievais épicos onde as fichas têm um monte de firulas para auxiliar a lutar e existir de forma geral, todo o poder está nas mãos do jogador, e não é tanto poder assim não. O combate é extremamente letal devido a escassez de recursos e em aventuras prontas você frequentemente vê armadilhas que simplesmente dizem: Se você falhar, você morre.

Aqui se erguem o segundo e o terceiro pilar: você será testado e nada escrito na sua ficha vai te salvar. O melhor que você faz é evitar rolar os dados. Armadilhas matam, inimigos poderosos muitas vezes te matam “num soco” e há muita coisa em risco pra se entregar os poliedros regulares.

Claro, personagens poderosos são muito resistentes e a aplicação inversa da regra de inimigos poderosos (é a próxima coisa da qual falaremos) acentua a superioridade de um personagem de nível alto, porém milagre não é uma simples magia e sair sem camisa no meio de uma multidão de inimigos não vai acabar bem, TBH não é um jogo de heróis da Marvel (mas pode ser).

Por último, não tem uma fórmula para saber quantos monstros um grupo consegue enfrentar, vai colocando lá e se eles saírem vivos, ótimo! De novo, o jogo recompensa muito planos inteligentes e soluções que dispensam dados, porque dados matam jogadores.

Esses princípios, ilustrados nas 23 páginas sem ilustrações (nossa, como eu sou bom com trocadilhos) do livro, são a base para o que é o OSR e são comuns a todos os bons jogos do gênero, começando nas regras OGL do D&D original até TBH e além, para Espadas Afiadas e Lamentations of the Flame Princess.

Voltando ao nosso belo e esbelto exemplo, há duas mecânicas em particular que eu gostaria de frisar como diferenciais para esse sistema e não outro OSR. Inimigos Poderosos e Rolagens de Monstros.

Começando pelo final, a forma como os monstros e outras entidades sob a responsabilidade do mestre se comportam é bem especial nesse título. O mestre não faz rolagens. PONTO. Todas as jogadas que você imaginar são executadas pelos jogadores. Monstros não atacam, os jogadores é que se protegem dos monstros.

Arte de Adam Adamowicz. Conheça mais do trabalho do artista aqui.

Toda a jogada contra os jogadores é traduzida numa jogada de proteção, o que coloca ainda mais peso nas ações dos jogadores. O mestre apenas coloca as mãos atrás da cabeça e vai contando a história. Isso livra o mestre para controlar vidas e o prosseguimento da história, enquanto os jogadores pesam se vale a pena repetir o teste de proteção contra um ataque que eles quase não passaram da última vez.

A outra regra que eu considero um grande diferencial nesse jogo é a já muito citada regra de inimigos poderosos. Ela é muito simples, mas é melhor explicada com um exemplo:

Eu sou nível 2 e ataco um monstro de nível 1. Pela regra, eu recebo -1 nos meus ataques e de quebra, causo 1 a mais de dano nele, matando mais rápido e mais fácil. No entanto, aparece um monstro nível 3 bem feio e eu tenho que me proteger de seus ataques, nesse caso ele teria um bônus, mas como ele não ataca, é a minha defesa que fica mais difícil, somando 1 na minha rolagem e me deixando um passo mais perto de falhar. Se esse monstro fosse nível 6, eu somaria 4 a minha rolagem e se acertar, ele causa 4 de dano extra, ai!

Ou seja, a diferença de níveis entre os combatentes interfere diretamente na dificuldade, para mais ou para menos, e no dano recebido pela parte menos sortuda. Assim, só de mudar o nível de um monstro, ele já fica mais forte! Para completar, a vida e o dano são atributos derivados do nível e monstros não tem mais nenhum status (como se precisasse de mais alguma coisa, né).

Mas nem tudo são flores! Agora sendo mais pessoal, eu acho o sistema de magias apresentado ruim, simples demais e fraco de maneira geral. Mas é nesse ponto em que o pilar oculto do gênero OSR entra em ação! A customização. O que eu faço quando vou jogar TBH é substituir o sistema de magia por outro e pronto. Mudo a lista (ou acabo com ela de modo geral) e como os conjuradores se relacionam com a magia e é isso.

Não há um monte de habilidades pra alterar, só uma. A de conjurar. E é isso que os OSR mais tradicionais têm em comum, é muito fácil mudar uma regra. Não tem um dado de vinte lados? Troque por alguns d6! Quer jogar num futuro distante? Substitua a tabela de equipamentos e voilà!

Embora eu tenha falado pouco do jogo (meu foco é o movimento), ele é OGL, ou seja, grátis! No próprio site do autor há o link para a tradução em português e é tão curto que, como diria um amigo, numa sentada você lê! Se estiver cansado de acompanhar discussões sobre combos, venha para o lado com menos regras da força e morra porque entrou numa masmorra sem verificar se haviam placas de pressão no piso!