Demografia Medieval Simplificada
Quando eu era moleque e ficava inventando cenários e reinos mil, quase sempre acabava recorrendo a uma página da internet que ajudava demais na hora de pensar alguns detalhes dos quais eu não tinha noção alguma, mas era muito curioso pra saber: se eu vou criar um país, quantas pessoas moram nele? Quanta gente cabe em uma cidade? Quanto dessa terra vai estar ocupada por florestas, áreas selvagens, estradas e vilarejos perdidos? E o mais importante de tudo: minha vilinha de 400 habitantes vai ter quantos padeiros? Claro que esse nível de detalhamento quase sempre é absurdo e desnecessário, mas a tal página que comentei fazia esses cálculos todos (um padeiro só, se quer saber) e era uma mão na roda na hora de desenhar meus mapas.
Agora que tantos anos se passaram e estou trabalhando com tradução de verdade, pensei: ora, tem muita gente por aí que pode querer usar essas coisas mas não domina o inglês… Então depois de uma pesquisa, entrei em contato com o autor do texto original, S. John Ross, e pedi para traduzir a última versão do texto — que saiu em 2018, mas que foi aprimorado por anos desde 1993. Os cálculos que o Ross faz são bem simples e representam aproximações gerais que auxiliam na criação de reinos que simulam a Europa medieval tardia.
Na minha tradução, que segue, tive de fazer algumas aproximações a mais, porque o texto original (claro) dá todas as jogadas de dados e cálculos de medidas resultando em milhas, acres e outros parâmetros que também ficaram na Idade Média, e foram abandonados pelo resto do mundo civilizado. Dessa forma, refiz as fórmulas seguindo dois critérios: primeiro, todas as medidas partem de e resultam em unidades do SI (nossos bons e velhos metros, hectares e quilômetros). Segundo: originalmente, o Ross usa as medidas arredondadas no Sistema Imperial, então fiz o possível para manter os valores arredondados também nas nossas medidas. Isso resultou em uma discrepância que pode chegar a 5% em alguns casos, em relação ao original, mas acredito que está dentro do aceitável. Quando comecei a trabalhar com tradução ninguém me falou que existia isso de traduzir matemática.
O artigo apresenta as fórmulas em rolagens de dados que a maioria dos jogadores de RPG está acostumada, usando “dX” para representar “dado de X faces”: por exemplo, (2d4+1)×5 significa “jogue dois dados de quatro faces, some 1, e multiplique o resultado dessa soma por 5”.
Ao final do texto, você encontra um link para o download do artigo traduzido, bem como para uma calculadora online que pode ser usada para gerar os resultados médios propostos pelas fórmulas. Espero que seja tão útil para você quanto foi (e continua sendo) para mim!
Demografia medieval simplificada
Por S. John Ross | Tradução: Bruno Müller | Revisão: Leonardo Alvarez
Há mundos fantásticos de todo tipo, da escola de simulação medieval “hardcore” aos reinos extravagantes da alta fantasia, com castelos de alabastro e jardins ornamentados com joias em vez da imundície lamacenta tradicional. Apesar das diferenças, ambos compartilham de um elemento vital: pessoas comuns. A maioria dos reinos, não importa o quão barrocos ou mágicos, não se sustenta sem uma boa quantidade dos mais triviais fazendeiros, mercadores, príncipes batendo boca e guardas palacianos. Agrupados em vilas e abarrotando as cidades, eles formam o pano de fundo humano para as aventuras.
Preparei esse artigo na busca de uma forma mais satisfatória de projetar mundos: uma conjunção de possibilidades amplas, extraídas de diversas referências históricas, sintetizadas em uma ferramenta simples. Extrapole a partir desses parâmetros o quanto quiser; não existe isso de imaginar errado… Mas você talvez descubra, como eu, que o que vem a seguir é um jeito prático de começar.
Densidade populacional: tem quanta gente nesse reino?
A menos que o reino seja jovem, é possível que esteja apinhado de aldeias, a uns dois ou três quilômetros uma da outra, cobrindo cada centímetro cultivável do interior do país. Aldeias prosperam em redes vastas, cada uma delas fornecendo sua cota de alimentos e matérias-primas a serem vendidas nos mercados em vilas e cidades. As coisas são diferentes em reinos muito jovens ou em países fronteiriços, onde os assentamentos podem ser mais isolados — e, consequentemente, mais paranoicos e na defensiva, com pessoas aglomeradas atrás de muralhas em busca de segurança. Assentamentos isolados vão depender do tráfego mercantil para complementar o que eles conseguem produzir localmente, e caso existam monstros ou outras ameaças sobrenaturais, os efeitos do isolamento são ampliados.
A densidade populacional de um reino medieval completamente desenvolvido vai de 15 pessoas por quilômetro quadrado (para reinos com clima sombrio, terreno inóspito ou talvez um Rei Louco escravocrata) até um limite de 45 por quilômetro quadrado (em um território de solo fértil, relevo agradável, estações do ano favoráveis e talvez um toque de magia). Caso possa ser populada e cultivada, nenhuma terra é desperdiçada. Há diversos fatores que determinam a população de um território, mas nenhum deles é tão importante quanto o clima e a arabilidade da terra Se o alimento vai prosperar, o mesmo pode ser dito de pessoas. Caso queira, a densidade pode ser rolada aleatoriamente, com outros fatores determinados a partir de engenharia reversa dependendo do resultado. Uma jogada de (2d4+1)×5 serve.
Reduza o multiplicador de ×5 em qualquer quantia até ×1 para representar um território mais selvagem, menos desenvolvido, ou para demonstrar países que perderam sua população devido a invasões, pragas ou outras calamidades. Se não tiver certeza sobre tal reino ser mais ou menos desenvolvido, substitua a jogada de (2d4+1)×5 por (2d4+1)×R. Para determinar R, jogue 1d8, e considere qualquer resultado de 5 ou mais como 5. Caso esteja construindo um mundo vasto com diversos países, isso vai te dar uma variação de densidades bem saudável.
Áreas despovoadas podem ficar improdutivas por séculos. Crescimento populacional pré-industrial muitas vezes é algo arrastado (com taxas de duplicação medidas em séculos), e podem estagnar (ou cair!) quando recursos são escassos. |
Algumas comparações históricas: a França medieval fica no topo da lista, com uma densidade de mais de 40 pessoas por quilômetro quadrado, no século XIV. Os franceses eram abençoados com uma abundância de regiões cultiváveis, só esperando para serem lavradas. A França moderna tem mais que o dobro dessa população. A Alemanha, com um clima um pouco menos perfeito e uma porcentagem menor de terra cultivável, tinha cerca de 35 pessoas/km². A Itália era parecida (muitas colinas e áreas rochosas). As Ilhas Britânicas eram as menos populosas, com pouco mais de 15 pessoas por quilômetro quadrado, a maior parte delas vivendo na metade sul do arquipélago.
Hexágonos: talvez seja importante para quem está mestrando saber quanta terra cabe em uma área hexagonal! Para determinar a área de um hexágono, multiplique sua largura — de um lado ao outro, e não de um vértice ao outro — por 0,9306049 e eleve o resultado ao quadrado. Dessa forma, se seu mapa regional usa hexágonos de 50 km, cada um deles representa pouco mais que 2 mil km² (e é uma dimensão conveniente para determinar a duração de viagens, já que é prático calcular 50 km para cada dia inteiro percorrido em estradas). |
População de vilas e cidades: tem quanta gente dentro dessas muralhas?
Para os propósitos desse artigo, assentamentos vão ser divididos em aldeias, vilas, cidades e cidades grandes (conhecidas como “supercidades” no jargão da historiografia urbana).
- Aldeias têm de 20 a 1.000 pessoas, e as mais comuns têm entre 50 e 300 habitantes. A maioria dos reinos vai ter milhares delas. Aldeias são comunidades agrárias que existem nas partes seguras da civilização. Elas são a fonte básica de comida e de estabilidade territorial em um sistema feudal.
- Vilas têm populações que vão de 1.000 a 8.000 pessoas, com valores médios em torno de 2.500 habitantes. Em termos culturais, elas são equivalentes àquelas cidades bem pequenas de hoje em dia, encontradas beirando as rodovias vicinais do interior do país. Cidades e vilas costumam ter muralhas apenas se forem politicamente importantes e/ou ameaçadas com frequência.
- Cidades costumam ter de 8.000 a 12.000 habitantes. Um reino grande tipicamente vai ter apenas algumas cidades nessa faixa populacional. Os centros de atividades eruditas (as Universidades) tendem a ficar nas cidades desse tamanho, com as raras exceções prosperando em uma cidade grande.
- Cidades grandes ficam na faixa de 12.000 a 100.000 pessoas, com algumas cidades excepcionais ultrapassando essa escala. Alguns exemplos históricos incluem Londres (25.000–40.000), Gênova (75.000–100.000) e Veneza (100.000+). No século XV, Moscou tinha uma população que passava de 200.000 habitantes!
Grandes centros populacionais são resultado de tráfego. Rotas de comércio terrestres, litorâneas e fluviais formam um padrão entrecortado de artérias, e as vilas e cidades surgem ao longo dessas linhas. Quanto maior a artéria, maior a vila, e onde várias dessas grandes artérias se cruzam, você tem uma cidade. Aldeias são distribuídas de forma mais densa pelo interior, entre os assentamentos maiores.
Permita-se algumas variações, no entanto, quando estiver posicionando os assentamentos. Alguns deles aparecem perto de um recurso valioso, ou porque um monastério remoto se tornou um abrigo, ou por razões políticas enigmáticas, independentes de terreno hostil.
Os termos para se referir aos assentamentos são categorias de conveniência, baseados apenas na população, mas no seu mundo fantástico outros nomes podem ser mais significativos (casarios, lugarejos, arraiais, povoados, burgos etc) e esses termos simples podem ter sentidos mais específicos em determinado reino. Qualquer assentamento que sustente um mercado ativo durante o ano todo pode ser chamado de “vila”, por exemplo, e “cidade” geralmente é uma distinção jurídica que se refere a uma vila com uma outorga específica. E enquanto cidades “pertencem” a uma nação maior, cidades-estado são literalmente seus próprios países. |
Aproveitando cada pedacinho de chão: isso depende de saber do tamanho de cada reino. Mas ilhas e continentes são manchas irregulares de terra! Uma grade vai ajudar bastante. Se você sabe a área de um hexágono ou quadrado, apenas conte o número desses preenchidos com reino, e multiplique (ajustando segundo os que não estão completamente preenchidos). Caso tenha acesso a Photoshop ou algo parecido, a ferramenta Histograma pode contar o número de pixels de um determinado valor em um ou dois cliques, resultando em medidas bastante precisas. |
Distribuição da população
Certo, então agora você sabe quão grande é o seu reino, e quantas pessoas vivem nele. Quantas cidades existem, e quantas pessoas vivem nelas? Quantas pessoas vivem em assentamentos menores, como vilas e aldeias?
- Primeiro, determine a população da maior cidade do reino. Esse número é igual a (P × M), onde P é igual à raiz quadrada da população do reino e M é igual a uma jogada aleatória de 2d4+10 (o resultado médio é 15).
- A segunda maior cidade terá um número de habitantes que fica entre 20% e 80% do número da mais populosa. Para determinar isso de forma aleatória, role 2d4×10% (o resultado médio é 50%).
- Cada cidade restante será de 10% a 40% menor que a anterior (2d4×5% — o resultado médio é 25%); continue listando as cidades enquanto os resultados do número de habitantes ficar dentro da escala de cidade (8.000 ou mais).
- Para definir o número de vilas, pegue o número de cidades e multiplique-o por uma jogada de 2d8 (o resultado médio é 9).
A população que sobrar vive em aldeias e assentamentos menores; algumas pessoas vão viver em moradias isoladas, serão andarilhas ou trabalhadoras itinerantes.
Ajustando o número de vilas: a razão de vilas para cidades dada acima presume a existência de uma comunidade mercantil notável e próspera, como na Idade Média (comum em muitos mundos, mas talvez não no seu). Ajuste o número de vilas em 50% ou mais para um mundo fantástico florescendo à beira da Renascença, mas ajuste-o bruscamente abaixo para um mundo mais parecido com o período pré-Cruzadas (se o comércio é limitado e local, não haverá muito mais vilas que cidades; só continue com o processo de redução de 10% a 40% de cidades para criar uma lista única de cidades e vilas). Historicamente, o número de vilas outorgadas em muitos países europeus se multiplicou em quase dez vezes entre os séculos XI e XIII, quando as mudanças econômicas reconfiguraram o plano agrário em algo mais robustamente mercantil. Caso seu mundo tenha uma cota expressiva de mercadores, malandros e outros tipos de habitantes de vilas, use um multiplicador de 2d8 ou ainda mais. Para um mundo em transição entre esses extremos, encontre um meio termo que se pareça com o que você quer.
Um reino de exemplo: Chamlek
Chamlek é um reino insular antigo, com uma área total de 230 mil quilômetros quadrados, com um clima ameno e somente algumas colinas rochosas e pântanos lamacentos para perturbar um território bem irrigado. Quem criou Chamlek decidiu que a ilha-reino é totalmente desenvolvida. Ela tem cerca de 6,9 milhões de habitantes, com uma densidade média de 30 pessoas por quilômetro quadrado (uma jogada média nos dados, usando a faixa recomendada). Partindo de premissas ou rolagens de dados diferentes, um reino desse tamanho pode ter uma população que vai de meros quinhentos mil a mais de dez milhões de almas.
Continuando com as rolagens médias para tamanhos de cidades e dispersão de vilas, podemos determinar o seguinte sobre Chamlek: sua maior cidade, Restagg, tem uma população de 39 mil habitantes. As próximas cidades grandes são Volthyrm (19.700), McClannach (14.00), Cormidigar (11.000) e Oberthrush (8.300). Há cinco cidades (três das quais são “cidades grandes”) e 45 vilas no total (veja na imagem), com uma população urbana total de pouco mais que 200 mil pessoas (cerca de 3% do reino). O restante é rural — existe cerca de um centro urbano para cada 4,6 mil km². Se usássemos o método pré-Cruzadas para determinar as vilas, haveria apenas sete delas (um centro urbano a cada 19 mil km²). Note que mesmo com uma rede de vilas totalmente mercantil ainda haveria muito território aberto no entorno de qualquer uma delas.
Agricultura
Um quilômetro quadrado de terra cultivada (o que inclui não apenas lavouras, pomares e pastos, mas também as rotas e assentamentos relacionados a eles) sustenta cerca de 70 pessoas. Isso leva em consideração as eventuais pragas, roubos, infestações de ratos e períodos de estiagem, todos muito comuns na maioria dos mundos. Se magia for comum, quem cria o cenário pode decidir que o quilômetro quadrado pode sustentar muito mais gente.
Uma vez que tenha decidido a capacidade da terra de suprir as pessoas, você pode determinar a quantidade de território cultivado no reino. Considere Chamlek novamente. Com cada quilômetro quadrado sustentando 70 pessoas, isso significa que há aproximadamente 98,5 mil km² de terra cultivada — quase 43% da área total da ilha. Isso resulta em um exemplo gráfico do quanto a população é realmente esparsa. Os 57% restantes do país são áreas selvagens, encostas escarpadas, águas de superfície e demais territórios abertos não cultivados (ou não cultiváveis). Mesmo se Chamlek tivesse a densidade populacional máxima (45 pessoas por km²), a terra cultivada seria de enormes 2/3 do total, deixando o 1/3 restante da nação para áreas ermas e cursos d’água. Isso se aproxima do máximo absoluto, dadas as nossas condições terráqueas, ainda que seja possível ter mais pessoas caso quem esteja criando o mundo determine que a nação inteira seja cultivável (e não há precisa ser parecido com a Terra caso você não esteja afim)!
Enquanto a distância média entre centros populacionais possa ser derivada da área total do território (caso você ainda não tenha desenhado o mapa), a distância de caminhada de uma aldeia até a outra é determinada de forma mais realista considerando apenas as terras povoadas. Aldeias tendem a se aglomerar próximo de rotas de viagem definidas pelas linhas entre as vilas, deixando amplas extensões de território selvagem mais distantes dessas estradas.
Castelos
Certo, já entendemos os contornos do terreno no que se refere à civilização: as cidades, vilas, aldeias e fazendas. No entanto, o que fica mais pertinho do coração de quem se aventura são os castelos, ou melhor, castelos em ruínas. E de novo: quantos deveriam existir?
Em primeiro lugar, a quantidade de ruínas depende da idade da região. A fórmula a seguir é uma referência possível. A frequência de ruínas na Europa variava muito dependendo da história militar e do quão afastada é tal área. Para determinar o número aproximado de fortificações arruinadas, divida a população do reino por 5 milhões. Multiplique o resultado pela raiz quadrada da idade do reino. Caso as rédeas do reino tenham trocado de mãos muitas vezes, use a idade total — o número de anos que povos construtores de castelos viveram ali, sem depender da linhagem real.
Chamlek, nosso reino insular, tem hoje cerca de 6,9 milhões de pessoas. A ilha é povoada por construtores de castelos desde aproximadamente 500 anos. Assim, ela tem cerca de 31 castelos ou fortes em ruínas.
Castelos ativos são muito mais comuns; os que estão arruinados são raros porque os que têm fundações sólidas são reformados com frequência! Presuma aproximadamente um castelo funcional para cada 50 mil pessoas. A idade do reino não é um fator muito determinante. Chamlek teria mais ou menos 138 castelos ativos, de naturezas diversas. Uns 75% de todos os castelos vão estar em áreas civilizadas (povoadas) de um reino. Os outros 25% estarão no “ermo”, em fronteiras etc.
A função desses castelos é algo que depende muito do seu mundo, então não dá para reduzi-la a uma fórmula. A maior parte deles será a sede de Barões, Duques ou seus equivalentes, mas alguns podem ser fortes de bandidos, baluartes de ordens militares ou entrepostos de senhores da guerra goblinoides, dependendo de quem ameaça quem e de quem planeja o quê.
Mercadores e serviços
Em uma aldeia de 400 pessoas, devem existir quantas estalagens e tavernas? Não muitas. Talvez nenhuma. Ao cruzar o interior do país, personagens provavelmente não vão ver placas dizendo Hotel: piscina e wi-fi grátis a cada quinze quilômetros. Na maior parte das vezes, terão de acampar ou procurar abrigo nas casas de outras pessoas.
Contanto que sejam amigáveis, a segunda opção pode ser uma boa. Uma família de camponeses pode passar a vida toda morando num mesmo lugar, e vai ficar feliz de ter notícias e histórias de aventuras, sem falar de qualquer dinheiro que seja oferecido como pagamento!
Cada tipo de ocupação tem um valor de suporte (VS). Esse é o número de pessoas necessário para sustentar uma única ocupação de tal tipo. Por exemplo, mercadores de especiarias têm um VS base de 1.400. Isso significa que deve haver um deles para cada 1.400 pessoas em uma certa área.
Você pode usar os VS como estão e obter resultados úteis, mas as necessidades de cada região variam. Caso seja uma tarde chuvosa e você esteja projetando uma nova cidade, determine a lista de VS local: ajuste cada VS em uma porcentagem igual a (4d4–10)×10. Assim, se o resultado nos dados der 9, por exemplo, o VS de mercadores de especiaria nessa cidade seria de 1.260 em vez de 1.400. As ocupações com os menores VS representam as profissões que podem atrair os mais estimados artesãos e especialistas para a cidade (por padrão, coisas como peles, joias, trajes e sapatos, já que o nosso modelo é a Paris medieval). Como sempre, valores determinados aleatoriamente podem propor ideias para a sua criação, mas caso você já tenha um plano claro para as indústrias locais, faça os ajustes devidos.
Note que há muito mais artesanias e profissões que as listadas aqui; use essas como ponto de partida para a possível faixa dos valores de suporte, ainda que alguns ofícios obscuros possam ter um VS absurdo, de até 25.000!
Assim que você tiver todos os VS, seus números vão estar definidos. Para encontrar a quantidade de, digamos, estalagens de uma cidade, divida a população local pelo VS de estalagens (por padrão, de 2.000). Para uma aldeia de 400 pessoas, isso resulta em 20% de uma estalagem! Isso significa que há uma chance de 20% de sequer existir alguma ali. E mesmo se houver alguma, ela será menor e bem menos formidável que uma estalagem urbana. O VS padrão de tavernas é 400, então é provável que ali só tenha uma.
Ofício | VS | Ofício | VS |
Sapateiros | 150 | Açougueiros | 1.200 |
Peleiros | 250 | Peixeiros | 1.200 |
Criados | 250 | Cervejeiros | 1.400 |
Alfaiates | 250 | Fiveleiros | 1.400 |
Barbeiros | 350 | Estucadores | 1.400 |
Joalheiros | 400 | Mercadores de Especiarias | 1.400 |
Tavernas/Restaurantes | 400 | Ferreiros | 1.500 |
Roupavelheiros | 400 | Pintores | 1.500 |
Confeiteiros | 500 | Médicos* | 1.700 |
Pedreiros | 500 | Telhadores | 1.800 |
Carpinteiros | 550 | Chaveiros | 1.900 |
Tecelões | 600 | Balneários | 1.900 |
Fabricantes de velas | 700 | Cordoeiros | 1.900 |
Merceeiros | 700 | Estalagens | 2.000 |
Tanoeiros | 700 | Curtidores | 2.000 |
Padeiros | 800 | Copistas | 2.000 |
Aguadeiros | 850 | Escultores | 2.000 |
Bainheiros | 850 | Tapeceiros | 2.000 |
Adegueiros | 900 | Cinteiros | 2.000 |
Chapeleiros | 950 | Branqueadores | 2.100 |
Seleiros | 1.000 | Mercadores de feno | 2.300 |
Açougueiros de Aves | 1.000 | Cuteleiros | 2.300 |
Bolseiros | 1.100 | Luveiros | 2.400 |
Madeireiros | 2.400 | Entalhadores | 2.400 |
Lojas de magia | 2.800 | Livreiros | 6.300 |
Encadernadores | 3.000 | Iluminadores | 3.900 |
*Doutores licenciados. O VS total de médicos é de 350.
Alguns outros valores: vai existir uma família nobre a cada 200 habitantes, mais ou menos, um advogado (“defensor público”) a cada 650, um membro do clero a cada 40 e um sacerdote a cada 25–30 membros do clero. Locais de adoração ficam em torno de 1 a cada 400 pessoas caso exista uma óbvia fé “dominante” na região, mas serão muito mais comuns (e menores, individualmente) se houver diversas crenças sem o predomínio de alguma específica.
Nota: a entrada de “Loja de magia” se refere a estabelecimentos onde magos ou estudantes de magia podem comprar ingredientes estranhos, rolos de pergaminho e coisas do tipo, e não a lugares com gôndolas de espadas mágicas (ainda que alguns mundos também tenham dessas)!
Miscelânea
Manutenção da lei: uma cidade medieval bem resguardada vai ter um oficial da lei (guarda, vigia etc) para cada 150 cidadãos. Cidades mais desamparadas terão metade desse número. Raras terão mais que isso.
Instituição de ensino superior: haverá uma Universidade para cada 27,3 milhões de pessoas. Isso deve ser calculado por continente, não por vila! Esse valor presume universidades completamente eruditas, não necessariamente escolas dedicadas às artes arcanas.
Pecuária: a população de gado, como um todo, vai ser igual a 2,2 vezes o total da população humana, mas dois terços desse total será de aves (frangos, gansos, patos etc). O restante será de vacas leiteiras, cabras e “animais de corte”: porcos são valorizados como alimento porque comem pouco, individualmente, e não são exigentes quanto à comida. Ovelhas serão bastante comuns se houver algum mercado de lã na região (a Inglaterra medieval se ergueu assim). Bovinos para trabalho e obtenção de leite podem ser vistos de vez em quando, mas gado criado especificamente para produção de carne só vai ser encontrado e áreas prósperas. Monastérios e outros assentamentos menores mantêm lagos de enguias para complementar seu suprimento de proteína. Junto delas podem existir algumas espécies fantásticas, que em alguns casos até mesmo as substituem.
Um pouco de história, e as minhas questões preferidas da caixa de correio
Esse texto deu muitas voltas… A versão mais antiga foi recusada pela revista Dragon em 1993. Dei um tapa no texto, expandi e a enviei à Pyramid depois disso (sem qualquer resposta). Melhorei o conteúdo para uso próprio, depois mandei o texto à The Familiar: eles aceitaram… bem a tempo de desaparecerem, então mais uma vez não consegui vendê-lo. Após alguns toques obrigatórios para aperfeiçoá-lo, a Shadis aceitou comprá-lo, só para que eles também desaparecessem logo em seguida! Na primavera de 1999, coloquei o artigo na minha antiga página na internet, The Blue Room. Ele ficou por ali, e teve sua audiência por quase vinte anos, até que eu fechei o Blue Room no outono de 2018.
Ao longo desses anos o artigo resultou numa resposta imensa, passando de gratidão (um escritor generoso me procurou em uma convenção só para me abraçar por causa do texto) por queixas estrondosas (essa fonte discorda daquela; você simplificou demais algo que eu queria que deixasse complexo etc) e a muitos, muitos e muitos pedidos de mais. Outra revista (Knights of the Dinner Table) tentou comprar o artigo, como se para instigar a foice caprichosa do ceifador e, pedindo misericórdia, eu disse não.
Os comentários e críticas construtivas de leitores resultaram em dezenas de revisões discretas, e essa pedra velha foi polida até ficar com um brilho decente. Essa nova encarnação em PDF inclui ainda mais aperfeiçoamentos, e pretendo que seja a versão final, mas nunca diga nunca, eu acho.
Sou grato a todos que me agradeceram e/ou enviaram conselhos construtivos. Ainda que eu não me envolva mais com correspondência sobre o artigo (duas décadas disso já foram o bastante), há algumas velhas perguntas que vale a pena discutir:
Os comentários e críticas construtivas de leitores resultaram em dezenas de revisões discretas, e essa pedra velha foi polida até ficar com um brilho decente. Essa nova encarnação em PDF inclui ainda mais aperfeiçoamentos, e pretendo que seja a versão final, mas nunca diga nunca, eu acho.
Sou grato a todos que me agradeceram e/ou enviaram conselhos construtivos. Ainda que eu não me envolva mais com correspondência sobre o artigo (duas décadas disso já foram o bastante), há algumas velhas perguntas que vale a pena discutir:
Suas fórmulas conseguem recriar a [Nação] medieval real de [Ano]?
Nah. Ou melhor: só por pura sorte, ao usar todas as jogadas de dado recomendadas. Os valores presentes em DMF são generalizados, simplificados e inspirados em diversos países ao longo de vários séculos. É uma ferramenta para jogos destilada, inapropriada para trabalhos escolares. Ainda que a abrangência fornecida pelas rolagens de dado sempre incluam algo amplamente plausível, ela não é feita para ser um modelo de um lugar específico ou de determinado período medieval (ela tende aos últimos dias da Idade Média, já que é lá que os jogos de fantasia se localizar). Você não precisa de uma fórmula para descrever a História real; você pode ler sobre ela! Visite a sua biblioteca local e comece com um desses livros que eu mencionei na Bibliografia. Também é possível encontrar bastante informação na internet. Dica de profissional para isso: limite as suas buscas a resultados em PDF, que vão dar em mais artigos acadêmicos.
Eu tenho uma cidade de 10.000 pessoas. Qual é o TAMANHO disso, fisicamente?
Na área urbana, a densidade populacional média vai ficar por volta de 150 por hectare (15 mil por km²), de forma que a terra dentro das muralhas da uma cidade de 10 mil habitantes vai ter cerca de 67 hectares (0,67 km²) — dificilmente uma cidade pelos padrões modernos, em termos de população ou de tamanho (tem quase as dimensões de uma universidade atual considerável, mas com muito mais ruas tortuosas e edifícios menores amontoados)!
As cidades muito populosas podem ter densidades mais próximas de 300 habitantes por hectare, enquanto as mais esparsas podem chegar até bem baixos 75/ha. Para tornar isso aleatório (com uma curva gaussiana apropriadamente inclinada), role 7d4 e ignore os dois resultados mais altos. Multiplique os cinco dados restantes por 15.
Se estou mapeando uma área urbana, quantas moradias existem nela?
Geralmente, 50 moradias por hectare, com uma população média de cerca de 3 pessoas em cada uma. Em teoria, cidades muito esparsas ou mais densamente construídas podem ter em média um valor tão baixo quanto 25 quanto até um máximo de 100 moradias por hectare, e cidades em condições extremas de baixa ou alta população podem ter em média de 2 a 5 pessoas por moradia. Moradias individuais ou vizinhanças excepcionais podem ignorar totalmente esses valores, mas eles se mantêm constantes na média total das cidades.
Mas isso então resulta em quantas construções?
Em uma cidade de fantasia medievaloide, artesãos muitas vezes vivem e trabalham na mesma construção (muitas vezes uma loja na fachada com a parte da moradia atrás e/ou acima dela). Assim, a relação entre o “número de casas” e o “número de construções” muitas vezes é mais próxima que em tempos modernos, ainda que muitas estruturas ainda vão existir sem ter uma função residencial (depósitos ou outras construções de armazenamento, santuários, escritórios de guildas, construções abandonadas, estábulos, cocheiras e muito mais — incluindo lojas onde a casa do artesão é uma estrutura separada atrás dela, no mesmo terreno). Na maioria das cidades de fantasia que evocam a Europa medieval tardia, o número de construções vai ser de uma a duas vezes o total de moradias, mas é fácil imaginar extremos entre esses números, especialmente em um mundo onde “prédios de apartamentos mágicos” existem, ou em um mundo onde estruturas urbanas têm tantas construções externas quanto as rurais (o que poderia inflar o número de construções consideravelmente). Essas faixas extremas (aborde-as com cautela) poderiam ficar de 0,4 a 3,0 (vezes o número de moradias).
Quão grandes elas são?
Nos termos mais gerais, construções medievais são muito menores que suas contrapartes modernas. Na dúvida, desenhe-as menores que seu primeiro instinto sugerir.
Falando em lojas, os europeus medievais com frequência faziam o loteamento dividindo-o entre unidades voltadas à rua medidas em perches, poles, ou varas, que no começo variavam de 3 a 7,3 metros, mas que no período tardio se estabeleceram (na maioria dos lugares) em cerca de um padrão de 4,9 metros (próximos à vara do sistema imperial atual, de 5,0292 m). O aluguel de um lote seria baseado principalmente em quantas varas de fachada ele tinha (muitas vezes apenas uma, o que levava alguns escritores a confundir as varas com os lotes como um todo). Com muita frequência as lojas tinham uma única vara de largura, mas com uma grande profundidade no lote (e/ou apresentando uma ou mais construções atrás dela, pertencente ao mesmo burguês) Construções mais extravagantes teriam muitas varas de tamanho Suas cidades fantásticas podem ter um sistema similar, ou algo mais vago, mas é importante manter a estética da fachada estreita (com um lote profundo por trás dela) em mente se você imaginar suas ruas parecendo especificamente europeias.
Até onde vai a escala de espaço residencial: as ideias modernas de espaço de moradia aceitável podem cutucar bastante as nossas concepções do que é “razoável”. A casa média estadunidense do século XXI recém-construída tem em torno de 80 m² por pessoa (ficando maior a cada ano), o que é quase duas vezes e meia a média de 30 m² por pessoa que havia no século XIX, que é o dobro dos 15 m² por pessoa, em média, que parece ser o que representa um lote na Europa pré-industrial. Mais uma vez, é importante ressaltar que esse é um ponto de partida que vai variar de acordo com a cultura, classe econômica e condições atuais de baixa ou superpopulação. As mansões da aristocracia dos mundos de fantasia talvez até mesmo impressionem uma pessoa do século XXI! Ao estimar o total de terreno construído nos mapas de vista superior de cidades, não se esqueça que estruturas de madeira ou eixaimel muitas vezes têm de 1 a 3 andares de altura.
Bibliografia |
Eu me inspirei livremente nos períodos entre os séculos XI e XV, e em locais diversos como Rússia, Inglaterra, França, Alemanha e Itália, mas quando eu precisava de um padrão, recorria à França medieval tardia como um ótimo modelo para um reino fantástico, e partia mais para a Paris do mesmo período como uma espécie de cidade grande fantástica ideal. A tabela de valores de suporte foi tirada quase que inteiramente da lista fiscal parisiense de 1292, com ajustes vindos de outras fontes. Esses dados podem ser encontrados (de forma condensada) em Life in a medieval city, de Joseph e Francis Geis (Harper and Row, 1981), um belo livro por e para historiadores amadores, que inclui algumas descrições fascinantes da vida e da configuração das cidades. Outros trabalhos consultados incluem: |
As cidades da Idade Média, de Henri Pirenne. Publicações Europa-América. The castle story, por Sheila Sancha. Harper Colophon. The medieval town, por John H. Mundy e Peter Riesenberg. Robert E. Krieger Publishing Co. The medieval town, por Fritz Rörig. University of California Press. Medieval regions and their cities, por Josiah Cox Russel. David & Charles Press. |
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Veja também: Calculadora online: Demografia medieval simplificada.
Bruno Müller
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Uma batalha contra vermes vorazes à beira de um precipício. Um calendário de vinte meses de cinco dias. A livraria mais nova do bairro dos perdidos, cheia de livros jamais escritos. Ossos, runas e cartas que dizem o seu futuro. Um comentário sobre a aventura da semana passada. Uma ode às ferramentas e aos ossos do ofício. Encontros. Aleatórios.
Excelente conteúdo! Isso ajudará muitos mestres e criadores de cenários de fantasia, novatos ou não!
Esse artigo é bom demais, né? Fiquei muito feliz de ter traduzido, acho que muita gente pode aproveitar. Valeu, João!
Simplesmente fantástico. Respondeu a muitas dúvidas que sempre tive, igual você comentou no artigo sobre o mapa de Alberich, eu sempre me fazia muitas perguntas de por que isso, por que aquilo?
Sempre que fazia mapas para minhas campanhas ficava sem essas respostas, só fazia. Mas saber esses detalhes enriquece muita mais qualquer processo criativo, o mundo se torna mais imersivo. Parabéns por essa iniciativa de traduzir o texto e pelo trabalho.
Eu não sei como calcular exércitos. E não acho isso em lugar nenhum. Por exemplo, se uma cidade tem 40.000 pessoas, sendo 45% homens, vivem em média até os 80 anos, qual seria o tamanho do exercito dessa cidade em uma guerra?